A judicialização da saúde no Brasil tornou-se um fenômeno de proporções preocupantes, impactando diretamente o equilíbrio financeiro das operadoras de planos de saúde, a sustentabilidade do setor e, por fim, a prestação dos serviços aos usuários. De acordo com dados da Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge), as operadoras gastaram R$ 6,8 bilhões apenas com processos judiciais em 2024. O valor representa um aumento expressivo em relação a 2023 e ilustra a gravidade do problema.
O que é judicialização da saúde?
Judicialização da saúde ocorre quando um paciente entra com uma ação judicial para obrigar o sistema público ou privado a fornecer tratamentos, medicamentos, exames ou procedimentos que, muitas vezes, não estão no rol de cobertura obrigatória definido pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).
No caso da saúde suplementar, os processos judiciais frequentemente envolvem demandas por terapias experimentais, procedimentos sem comprovação científica, medicamentos de alto custo e tratamentos não autorizados pela ANS. Muitas dessas ações são deferidas por juízes que, diante da urgência do caso ou da comoção envolvida, concedem liminares determinando a cobertura imediata.
Impactos financeiros e operacionais
Os impactos dessa prática são profundos. As operadoras precisam arcar com custos inesperados, muitas vezes milionários, que não foram previstos em seus cálculos atuariais. Isso compromete a sustentabilidade dos planos e força aumentos nas mensalidades, penalizando inclusive os usuários que não acionaram a Justiça.
Além disso, o alto volume de ações provoca um engessamento dos recursos da empresa, que precisa manter equipes jurídicas robustas, pagar custas processuais e lidar com decisões que podem obrigá-las a fornecer produtos indisponíveis no país ou sem registro na Anvisa. Os R$ 6,8 bilhões gastos em 2024 não são apenas uma cifra simbólica, mas representam perda de margem, aumento da sinistralidade e, muitas vezes, inviabilização de investimentos em inovação e melhoria do atendimento.
Existe má-fé ou conivência?
Infelizmente, em alguns casos, há indícios de má-fé e conivência entre advogados, médicos e até mesmo alguns magistrados. Há situações em que clínicas e escritórios jurídicos operam juntos em esquemas para forçar a liberação de procedimentos ou medicamentos caríssimos, muitas vezes de eficácia duvidosa.
Existem investigações apontando para a prática de “judicialização em massa”, onde advogados protocolam centenas de ações semelhantes, muitas vezes com laudos médicos padronizados, buscando liminares rápidas antes que o Judiciário consiga analisar o mérito das demandas.
Essas práticas podem configurar crimes como fraude processual, estelionato contra os planos de saúde e conluio. Quando identificadas, devem ser denunciadas ao Ministério Público e às corregedorias dos tribunais, além dos conselhos profissionais de saúde e da advocacia.
Como os gestores podem agir?
Para enfrentar esse cenário, os gestores da saúde — tanto de operadoras quanto de hospitais e clínicas — precisam adotar estratégias de prevenção e mitigação. Algumas ações recomendadas incluem:
- Investir em programas de compliance e auditoria médica, garantindo que os protocolos sejam seguidos e as negativas sejam devidamente fundamentadas.
- Fortalecer a comunicação com os usuários, esclarecendo os limites contratuais e oferecendo canais ágeis de resolução de conflitos, evitando a judicialização desnecessária.
- Atuar junto ao Judiciário e ao Ministério Público, promovendo capacitações que ajudem os juízes a entenderem os impactos técnicos e financeiros das decisões.
- Participar ativamente de discussões sobre a atualização do rol da ANS, de modo a garantir que novas tecnologias sejam incorporadas de forma transparente e baseada em evidências científicas.
- Monitorar ativamente ações suspeitas de má-fé, colaborando com as autoridades na identificação de práticas criminosas.
Conclusão
A judicialização da saúde, embora em muitos casos seja um instrumento legítimo de acesso a direitos, tornou-se um mecanismo disfuncional quando usada em excesso ou de forma indevida. Ela distorce o equilíbrio financeiro das operadoras, sobrecarrega o sistema judiciário e, no limite, prejudica a coletividade.
É fundamental que a sociedade, os gestores, o Judiciário e os órgãos reguladores atuem em conjunto para encontrar soluções que preservem o acesso à saúde, mas dentro dos limites da racionalidade, da ciência e da legalidade. Ignorar esse problema pode levar ao colapso de um sistema já fragilizado.