A saúde está ficando mais cara. E não é só uma impressão: os dados confirmam. A inflação médica — que mede a variação dos custos com serviços, insumos e tecnologias da área da saúde — continua muito acima da inflação oficial da economia brasileira, representada pelo IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo).
Enquanto as projeções do mercado estimam um IPCA de aproximadamente 5,66% para 2025, a inflação médica pode ultrapassar os 13%, segundo levantamento recente da consultoria Mercer Marsh. Essa discrepância tem provocado impactos diretos nos custos hospitalares e na sustentabilidade dos planos de saúde, afetando não só as instituições, mas também o bolso dos pacientes e a viabilidade de operadoras privadas.
O Que Está Impulsionando a Inflação Médica?
Entender os motivos do aumento acelerado nos custos da saúde é fundamental para elaborar estratégias de contenção e para repensar a estrutura financeira das instituições. A seguir, detalhamos os principais fatores que estão alimentando a inflação médica no Brasil:
1. Incorporação Acelerada de Tecnologias e Inovações
O setor de saúde é um dos mais dinâmicos no que diz respeito à adoção de novas tecnologias. Desde a aquisição de equipamentos de ponta, como tomógrafos e sistemas robóticos, até terapias genéticas e tratamentos com inteligência artificial, a busca por inovação tem um custo elevado. Além disso, a introdução dessas tecnologias muitas vezes acontece sem uma análise aprofundada de custo-benefício, o que sobrecarrega o orçamento hospitalar e aumenta os repasses para os planos de saúde.
2. Envelhecimento Populacional e Doenças Crônicas
Com o aumento da expectativa de vida, cresce também a demanda por cuidados médicos de longo prazo. Pacientes idosos requerem maior volume de exames, internações e tratamentos continuados, elevando significativamente os custos assistenciais. Além disso, doenças crônicas como hipertensão, diabetes e câncer têm se tornado mais prevalentes, exigindo terapias cada vez mais caras e prolongadas.
3. Judicialização da Saúde
A chamada judicialização da saúde tem sido um dos maiores vilões do equilíbrio financeiro dos hospitais e operadoras. Quando um paciente entra com uma ação judicial exigindo um medicamento ou tratamento que não está no rol da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar), o custo inesperado e muitas vezes elevado é repassado às instituições — e, posteriormente, a toda a cadeia.
4. Dependência de Insumos Importados e Variação Cambial
Grande parte dos insumos hospitalares, como medicamentos, próteses e equipamentos, é importada. A desvalorização do real frente ao dólar e ao euro tem elevado significativamente esses custos. Mesmo quando o consumo se mantém constante, o impacto do câmbio pode representar aumentos de dois dígitos no orçamento anual.
5. Crescimento da Demanda Pós-Pandemia
Com o represamento de cirurgias eletivas e tratamentos durante a pandemia de COVID-19, muitos hospitais enfrentam uma explosão na demanda por serviços em 2024 e 2025. Essa retomada desorganizada e massiva gera sobrecarga de recursos humanos e infraestrutura, elevando ainda mais os custos.
Impacto nos Hospitais e Planos de Saúde
A escalada da inflação médica traz uma série de desafios para a gestão financeira de instituições de saúde. O impacto não é apenas contábil — ele afeta diretamente a qualidade assistencial e a sustentabilidade do sistema.
1. Pressão Sobre o Demonstrativo de Resultados (DRE)
Com aumento nos custos operacionais e margens cada vez mais estreitas, os hospitais veem seu DRE pressionado. Itens como despesas com pessoal, materiais e serviços de terceiros vêm aumentando acima da média, tornando o equilíbrio econômico-financeiro mais difícil. A lucratividade operacional (EBITDA) de muitos hospitais tem encolhido ano após ano.
2. Dificuldade de Reajuste Contratual
Hospitais que operam com convênios encontram dificuldades para repassar os aumentos de custos, pois os contratos com operadoras de saúde nem sempre acompanham a inflação médica. Quando o reajuste não cobre o aumento das despesas, o resultado é prejuízo operacional.
3. Redução da Qualidade Assistencial
Em situações extremas, a contenção de custos pode comprometer a qualidade assistencial. A adoção de materiais de menor qualidade, a redução no tempo de internação ou a escassez de recursos humanos podem colocar em risco a segurança do paciente e a reputação da instituição.
4. Impacto no Acesso da População aos Planos de Saúde
Para manter o equilíbrio financeiro, muitas operadoras reajustam os planos de saúde acima da inflação oficial, o que pode resultar em cancelamento por parte dos usuários — principalmente da classe média. Isso aumenta a pressão sobre o SUS e gera um efeito cascata em todo o sistema.
Estratégias para Mitigar os Efeitos da Inflação Médica
Frente a um cenário desafiador, os gestores hospitalares precisam adotar uma postura proativa para mitigar os impactos da inflação médica. Abaixo, destacamos algumas das melhores práticas que estão sendo implementadas por instituições de referência no país:
1. Custeio por Absorção e Custeio Baseado em Atividades (ABC)
Uma das formas mais eficazes de identificar gargalos financeiros é aplicar métodos de custeio que permitam mapear com precisão os custos diretos e indiretos de cada procedimento. O método ABC, por exemplo, ajuda a compreender a origem dos gastos e permite decisões mais assertivas, como renegociar pacotes com operadoras ou reavaliar a estrutura de serviços prestados.
2. Automatização e Digitalização de Processos
Hospitais que adotam ferramentas de Business Intelligence (BI), prontuário eletrônico e sistemas integrados de ERP conseguem monitorar em tempo real o desempenho financeiro, facilitando a tomada de decisão. Isso também permite melhor controle sobre compras, estoques e produtividade de equipes.
3. Gestão Estratégica de Contratos
A renegociação de contratos com operadoras e fornecedores tem se tornado uma prática essencial. A adoção de cláusulas que preveem revisões periódicas baseadas em índices setoriais e não apenas no IPCA pode trazer maior equilíbrio para as contas hospitalares.
4. Protocolos Clínicos e Governança Assistencial
O uso de protocolos clínicos bem estruturados reduz variações no cuidado, evita desperdícios e melhora os resultados clínicos. A governança assistencial, aliada à análise de indicadores de performance, contribui para decisões mais eficientes e redução de custos.
5. Educação Continuada e Treinamento de Equipes
A capacitação das equipes assistenciais e administrativas em gestão de custos é fundamental para criar uma cultura de eficiência. Profissionais conscientes dos impactos financeiros de suas decisões tendem a agir com mais responsabilidade na utilização dos recursos.
Conclusão
A inflação médica não é um fenômeno passageiro — ela é estrutural e exige respostas igualmente estruturais. Os custos hospitalares continuarão em alta, pressionando a sustentabilidade das instituições e dos planos de saúde. Por isso, entender os fatores que impulsionam essa inflação, investir em inteligência de custos e adotar estratégias baseadas em evidências são medidas urgentes e indispensáveis.
Com planejamento, governança e tecnologia, é possível enfrentar esse cenário com equilíbrio, mantendo a qualidade assistencial sem comprometer a saúde financeira da instituição.